segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Jornalista: profissão em vias de extinção

Temos a doce mania – o que não deixa de nos dar, confesso que sim, um certo ar naïf-liberal – de nos compararmos com tudo. Com todos.
Comecemos pelos Estados Unidos – que servem perfeitamente, no caso, como exemplo – onde não há UM jornal nacional. Também não podia haver.
Como o não há em países bem mais pequenos, geograficamente, como a Grã-Bretanha e a França. Ou a Espanha.
Isso de jornais nacionais é coisa de país pequenininho – repito: pequenininho – como Portugal. Ou Andorra.

E em países onde há vintena e meia de jornais de referência – como os Estados Unidos – ou, pelo memos, uma dezena, como a Grã Bretanha – ou ainda… cinco ou seis, como a França – mesmo quatro ou cinco, como a Espanha – aparecer a figura de um jornal gratuito que condense (com seis décadas de atraso em relação às Selecções do Reader's Digest, no campo dos livros) as principais notícias dos principais jornais… em países onde se vive contra-o-relógio… até se aceita.

E os Estados Unidos, ao contrário do que pensarão, é um excelente exemplo em comparação com Portugal porque, sendo o “padrão” da nova cultura ocidental, não deixa de ser o país com a maior taxa de ileteratia, dos Urais para ocidente, logo, aquele em que muitas fotos e poucas letras é o ideal num jornal.

Os jornais gratuitos eram qualquer coisa que todos devíamos estar à espera. Até que chegaram atrasados. Só que, como em quase tudo… em Portugal não há fome que não dê em fartura e neste momento, contas por alto, já temos tantos gratuitos como a pagar. E a onda ainda não morreu na praia.

Os primeiros apareceram decalcados e como extensão do que já pululava pela Europa civilizada. Com os mesmos nomes até. Só que, bem à portuguesa, peritos que somos no desenrascanso… eis que surge uma segunda via. Os Newspaper Digest das principais empresas já por si dominadoras do mercado. Com uma fórmula infantilmente antes ignorada. Diria mais… desdenhada.

Um formato que condensa as principais notícias de uma série de títulos de um mesmo Grupo. É o Ovo de Colombo. Visto a partir das poltronas de cabedal genuíno das salas dos CA instaladas no último andar de edifícios de 12 andares com vista sobre a cidade.

Mas é o Ovo de Colombo… como?
O Global, por exemplo, e porque o tenho à minha frente.

Será que me convence a comprar o 24 Horas, o Diário de Notícias, o Jornal de NotíciasO Jogo? Claro que não!
O conceito é cumprido à risca. As notícias principais estão lá, condensadas.
Para que hei-de gastar mais dinheiro – ou gastar dinheiro, que este é à borla – se fico a saber a mesma coisa, mais parágrafo, menos parágrafo?

É o Ovo de Colombo para as administrações.
As continhas são feitas à parte e a publicidade angariada pelo Global deixa-o, desde logo, em posição privilegiada.
Consolidando-se o projecto, o Global vai dar lucros enormes em comparação com os títulos por si legalmente pirateados.

E as diferenças serão tais que a administração – comum – mais dia, menos dia vai por em causa a existência de outros títulos do Grupo.

Sejam ou não lidos – para a publicidade o que interessa são os números de jornais impressos que, no caso dos gratuitos, se esgotam todos os dias (ninguém controla as estruturas metálicas onde são depositados, nem se as senhoras da limpeza das estações da CP ou do Metro os deitam às dezenas para o lixo) – são muito mais baratos, em termos gerais, do que aqueles que os alimentam.


E se não forem seis… serão cinco. E se não forem cinco serão quarto e se não forem quatro serão três… até chegar-mos à insana hipótese de um jornal com redacção própria se ver pirateado por um “irmão” que, sem gastos, para além do da impressão, naturalmente dará mais lucro.

Qual vai ser, então o passo a seguir?
Extinguir títulos, nos Grupos que têm vários – o que foi a primeira fase desta intentona contra os jornalistas – e, depois, diminuir os corpos redactoriais nos remanescentes.
E sempre, mas sempre, o gratuito, que usa, de borla, as notícias que custaram, de uma forma ou de outra, dinheiro ao que tem que ser pago, terá mais lucros.
E elimina-se mais um título… ou despendem-se mais jornalistas.
Para condensar as notícias feitas pelos jornalistas seniores, qualquer estagiário serve.

(Devia ser ao contrário, mas não é…)

Enquanto houver UM jornal no conceito tradicional de jornal, haverá notícias que o gratuito pirateia sem custos. Isto é… este continuará SEMPRE a ter resultados financeiros melhores que o primeiro.

Claro que as empresas não podem ACABAR com TODOS os jornais pagáveis.

Senão, onde iriam buscar as notícias de borla?
Mas que, em termos de administração a tendência será sempre a de cortar nas despesas dos que dão menos lucros… disso quem duvida?

Daqui a dez anos já não haverá jornalistas da minha geração.

Dos que foram formados nas redacções.
Todos os outros já devem ter percebido como a máquina funciona. Não há ninguém não descartável.
Na busca do lucro imediato, em menos de um lustro deixará de haver jornalistas a trabalhar nos jornais.

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