O jornalista Mário Crespo que, vai fazer 15 dias concedeu uma extensa, lúcida e mui interessante entrevista, se não estou em erro à Tabu, revista do semanário Sol - não vai mais escrever a sua coluna de opinião para o Jornal de Notícias (JN).
Sendo, entre nós, o pivot de telejornais mais velho, em idade, aflora a possibilidade de, se não for forçada antes, a idade da reforma há-de chegar, e confessava que só queria que um jornal continuasse a albergar as suas crónicas. Escrevia-as no JN... Foi corrido.
Porquê? Vão já ficar a saber, os que ainda o não sabem.
De acordo com o Jornal de Negócios, a ruptura deu-se depois de o jornalista ter sido informado pelo director do jornal, José Leite Pereira, à meia-noite [de domingo para segunda] , de que o seu texto não sairia hoje na publicação.
A crónica em causa fazia referência a conversas mantidas entre José Sócrates, o ministro da Presidência, Silva Pereira, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de media que referiam Mário Crespo como «mais um problema a resolver».
O texto, que acabou por ser publicado no site do Instituto Francisco Sá Carneiro, faz ainda duras críticas ao poder do governo sobre os media.
O jornalista adiantou que no próximo dia 11 a editora Aletheia, de Zita Seabra, irá publicar um livro intitulado “A Última Crónica”, que arrancará com o texto na origem da polémica.
O livro vai conter, ainda, outras crónicas publicadas pelo autor no JN e no Expresso.
A crónica de Mário Crespo
que deveria ter sido hoje
publicada no Jornal de Notícias
O Fim da Linha
Mário Crespo
Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa.
Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil ("um louco") a necessitar de ("ir para o manicómio"). Fui descrito como "um profissional impreparado".
Que injustiça.
Eu, que dei aulas na Independente.
A defunta alma mater de tanto saber em Portugal.
Definiram-me como "um problema" que teria que ter "solução".
Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo.
É fidedigno. Confirmei-o.
Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito):
"(...) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (...)".
É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversidade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos.
Isto é mau para qualquer sociedade.
Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta.
Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados.
Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência.
Os críticos passam a ser "um problema" que exige "solução".
Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre.
Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos "problemas" nos media como tinha em 2009.
O "problema" Manuela Moura Guedes desapareceu.
O problema José Eduardo Moniz foi "solucionado".
O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser "um problema".
Foi-se o "problema" que era o Director do Público.
Agora, que o "problema" Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais "um problema que tem que ser solucionado".
Eu.
Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.
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O Mário Crespo foi meu Director n'A Capital. Considero-o o melhor pivot de todos os telejornais e de todas as televisões, o único português que poderia - salvaguardando as devidas distâncias - igualar-se aos influentíssimos pivots estadunidenses, com esta ressalva: soube sempre ser isento.
Bem formado, bem informado, dono de uma serenidade que não raro falta a outros colegas - não entra em histerismos quando a notícia é de uma catástrofe, natural, ou provocada pelo bicho homem; não é paternalista, ao jeito dos bajuladores e é capaz de manter-se firme mesmo em diálogos impossíveis com figuras que fizeram a tropa na messe, chegaram a majores mas berram, em qualquer lugar, como qualquer sargento 'chico' no tempo da outra senhora berrava para os amedrontados mancebos.
Quem não se recorda do 'major' Valentim Loureiro perder as estribeiras numa entrevista em directo, no Jornal das 9, na SICNotícias, aqui há alguns anos, quando Mário Crespo foi ele mesmo e, para desespero do outro, não deixou de insistir na pergunta cuja resposta todos sabíamos, mas que Valentim Loureiro, por mais 'valentão' que seja, não teve a coragem de dar.
(ver aqui)
Mas este artigo, que hoje correu Mundo (o do caso do Mário Crespo, não estes meus gatafunhos), serve para, uma vez mais, alertar, avisar, chamar a atenção de todos:
Estamos, em quase todos os sectores da Sociedade Portuguesa, à beira do abismo e são os nossos próprios governantes (!!!!????!!!!) que estão danadinhos para dar o tal passo em frente.
Pobres de nós!...